Prostituição: não, não é um trabalho, não é uma profissão!


tania navarro swain 

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A quem interessa a manutenção da prostituição com uma fachada legal, transformada em uma “profissão”? A quem interessa, de fato, a existência de corpos disponíveis à compra e à venda, em um mercado em expansão? A questão crucial é a demanda, é a lei da falocracia que se impõe mais uma vez, pois os benefícios são apenas para os homens, enquanto proxenetas ou clientes.

As mulheres em estado de prostituição não terão um melhor status social com uma legalização enquanto “profissão”. Mas o opróbrio indelével que acompanha a prostituição não se derrama sobre os clientes. Estão ao abrigo da condescendência social, fruto de um pacto “entre homens”, que transforma as mulheres em presa e objeto sexual.

A prostituição é um dos elementos do sistema de controle e de dominação das mulheres. Quando uma parte da população feminina é destinada à utilização sexual pelos homens e institucionalizada enquanto “trabalho”, o destino das mulheres em geral é reafirmado: submetidas e assujeitadas, em seu conjunto, à ordem do pênis, do pai, do patriarcado.

A prostituição não se refere, portanto, a uma problemática individual, mas diz respeito a um  sistema que impõe a vontade do masculino sobre o conjunto do feminino, assim definido pela sexualidade. A prostituição é uma questão de controle, onde o binário heterossexual se constrói, se afirma e se enraíza.

Há uma proposição simplista, ingênua ou de má fé que apresenta a prostituição como resultado de uma escolha, de um exercício de liberdade . Apaga-se assim todo o mecanismo de exploração e redução das mulheres a seus corpos, cavidades a serem preenchidas pelo assujeitamento  ou pela força. Assim desaparece toda uma literatura feminista que analisa os aspectos materiais e simbólicos do “direito” dado aos homens de possuir e transformar as mulheres em objeto de desfrute.

A liberdade na prostituição é simplesmente a liberdade dos homens de exercer seu poder sobre as mulheres, de impor seu sexo e sua lei. A prostituição das mulheres é, no imaginário patriarcal, um dado “natural”, da mesma maneira que a maternidade seria um destino “natural”, proposições que conduzem, ambas, à elementar transformação de seres humanos em nstrumentos para benefício dos homens: elas terão SEUS FILHOS e lhes darão SEU prazer.

A imagem de mulher em estado de prostituição derrama-se sobre todas as mulheres como corpos disponíveis ao desejo sexual e ao desejo de dominação que habita os homens. É assim que as guerras trazem o estupro como recompensa aos guerreiros triunfantes; da mesma forma, o pacto masculino reza que, uma mulher sem a companhia de um homem não pode ser livre de seus movimentos e da escolha de seus caminhos sem ter sobre ela a ameaça do estupro.

“A mais velha profissão do mundo” [1]é uma frase tantas vezes repetida, porém sem qualquer resíduo histórico; tem entretanto, em sua propagação, o papel de justificativa para a existência da venda e da compra de mulheres, como algo que “sempre foi assim”.  Mas em história, nada é dado de modo universal, pois a multiplicidade do humano torna tudo possível, nada fixo, permanente, incontornável.

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Assim, a venda de mulheres com fins sexuais é construída historicamente e não é um dado de “natureza”, antinômico com a dinâmica do social.[2]. Mas tudo se passa no discurso e nas análises recorrentes como se a prostituição fosse um “mal necessário”, condenada mas tolerada, tendo em vista as “necessidades” dos homens. Deste modo, os “clientes” não são nunca postos em questão, pois considera-se que tem o direito implícito e inalienável sobre os corpos das mulheres.

Liberdade 

É interessante observar a contradição de um masculino que se arvora o detentor exclusivo da “razão” e entretanto, quando é de seu interesse, se declara possuído pelas injunções do “instinto sexual” e suas “necessidades”.

“Haverá sempre a prostituição”, dizem eles, para mais uma vez justificar suas pulsões sob o pretexto de liberdade de escolha das mulheres. É preciso ser muito ingênua(o) para não perceber uma inversão de termos: não é a liberdade das mulheres para se prostituir da qual de fala, mas da liberdade dos homens de prostituí-las.

Que liberdade é esta, das mulheres em estado de prostituição? Seus corpos não tem mais integridade, são decompostas em partes mais ou menos desejáveis; seu psiquismo não existe, tudo se passa como se estas mulheres estivessem ausentes de sua materialidade para suportar a invasão de seus corpos.

 Esta ‘liberdade” de escolha pode – tudo é possível – ser exercida por mulheres, extremamente raras, que consentem em ser tratadas como dejetos ou vasos sanitários Ou que apenas afirmam sua escolha e desejam a denominação “profissão” para criar um semblante da dignidade, que lhes é negada no simbólico na materialidade social.

Deste modo, quando uma mulher em estado de prostituição se vangloria de sua “profissão” pergunto-me em que abismo de infortúnio ela se encontra para reivindicar o “direito” de ser uma latrina. Não há necessidade de ser Freud para compreender que tenta constituir uma importância, uma afirmação psicológica para não cair ainda mais baixo na escala das coisas, da mercadoria mais desvalorizada simbolicamente. Pois o humano finda quando se torna apenas orifício para satisfazer a bestialidade de outrem.

Mas não se pode utilizar  este argumento – a escolha- para defender a prostituição enquanto “trabalho” já que não passa de uma instituição da sociedade patriarcal, criada exclusivamente para o deleite sexual dos homens. De fato, há uma falsa polemica neste sentido, e o que a provoca é a profunda incompetência de se imaginar as condições de vida das mulheres em estado de prostituição e de compreender as estruturas do patriarcado que aí se constroem e perpetuam.

Não se pode ser feministas e apoiar a prostituição , pois os feminismos agem e lutam para a promoção das mulheres, para aumentar sua auto-estima, sua independência, para assegurar que se tornem sujeitos políticos.

Não se pode, sobretudo, confundir a profissionalização da prostituição com esta promoção. Ao contrário, isto é um estímulo para o tráfico das mulheres e meninas – nossas filhas – para satisfazer os desejos infectos e sobretudo o desejo de poder masculino, sobre a metade da humanidade. Pois, como sabemos “não se nasce mulher” e da mesma maneira não se escolhe o estado de prostituição, mas sim a ele se é levada pela força, pela violência ou pelo assujeitamento às injunções sociais perversas, como o incesto, o abuso, a droga, o estupro, a pobreza, a ameaça, o assédio, a impotência diante de um sistema esmagador.

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Há como uma espécie de aura em torno da prostituição, como uma atração em relação à decadência, à abjeção quando feministas afirmam “ é uma profissão”. É uma das formas mais insidiosas do assujeitamento, esta que  aprova e encoraja a prostituição das mulheres sob o pretexto de “liberdade”. Como se pode justificar a compra e a venda de corpos humanos se não estamos falando de escravidão?

As mulheres em estado de prostituição tornam-se simplesmente sexos, não seres humanos. É esta a definição deste “trabalho”, desta “profissão”? Abandonar a totalidade de seu corpo para tornar-se dele apenas uma parte?  É no sexo que o patriarcado pretende definir as mulheres, é no sexo que decide manter todo um contingente de mulheres para utiliza-las a seu bel prazer. E simbolicamente, todas seriam suscetíveis de apropriação masculina.

Qual o progresso na situação das mulheres no social quando se aceita o direito dos “clientes” sobre aquelas que prostituem?

Nos « matadouros » , assim chamados os bordéis de Marselha, Jeanne Cordelier, ali prostituída, denuncia aponta uma média obrigatória de 80 “clientes” por dia. [3] Como classificar a sordidez destes homens que fazem fila para penetrar um corpo tantas vezes maltratado, ultrajado, doente de aviltamento? Como classificar estes homens que se juntam em três, seis, dez para estuprar mulheres, meninas, adolescentes? Não é bestialidade pois os animais não fazem isto.

A prostituição é de fato um sistema criado para  entregar aos homens e às suas perversões e violências, mulheres que se tornam apenas corpos materiais, sem sentimentos, sem emoções, sem dignidade, sem nada que possa sugerir a idéia de um ser livre.

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Liberdade, o bem mais precioso do humano , não pode conter uma submissão a todos os desejos de outrem por um pagamento, pois os corpos não são bens à serem vendidos, alugado, consumidos. Isto é escravidão.

A reivindicação “meu corpo me pertence”, adágio básico da agenda  feminista é assim desviada, com efeito, para servir à Ordem do Pênis, do macho;  em vez de libertar, a prostituição acorrenta as mulheres a um corpo-buraco, a humores,  torna-as mercadoria, materialidade bruta para satisfazer o desejo do poder masculino.Pois comprar e chafurdar sobre o corpo de alguém não é um prazer sexual, é um prazer de dominação, um ato que marca a superioridade e o poder. Se eles tem uma mulher em face, a transformam em coisa, em carne a ser consumida.

Auxiliar as mulheres em estado de prostituição a dele sair é um dos primeiros pontos de ação feminista, mas defender e sustentar o sistema prostitucional é , de fato, se tornar cúmplice da exploração e da abjeção do feminino. Que não venham me dizer – e é preciso expor com todas as letras – que fazer felações ou abrir as pernas para qualquer indivíduo é um trabalho, uma profissão. Poderiam , senhoras “feministas” recomendar esta promissora “carreira” a suas filhas?

A aceitação da prostituição enquanto dado da sociedade e não como uma paroxística exploração masculina é fazer uma aliança com os proxenetas e os traficantes, aliança que esconde a violência das relações sociais, na compra de um corpo de mulher. Quando estas “feministas engajadas” passarão a receber dividendos do sistema prostitucional, já que o incentivam?

São as correntes da vida num sistema implacável que levaram as mulheres à prostituição; em sua absoluta maioria, estas mulheres em estado de prostituição foram a ele conduzidas pelos estupros familiares, pelo abandono social, pelas violências repetidas, pela droga, por uma pobreza sem perspectivas, pelo abuso e a brutalidade . Não é se “profissionalizando” que estas mulheres poderão quebrar os grilhões deste mecanismo perverso de decomposição de seres humanos em partes desfrutáveis. Não procurem convencer, senhoras, que uma menina que se vende na beira da estrada escolheu este caminho, de perigo e aviltamento. Isto é ridículo, insensível, desumano.

É bem mais cômodo  simplesmente aventar a “escolha”, a “liberdade” e fechar os olhos para o sistema patriarcal que cria a prostituta e faz dela um ser execrável socialmente.

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 Por outro lado, existem milhões de mulheres e meninas que foram traficadas, compradas, violentadas dezenas de vezes antes de se dobrar à prostituição. Contra sua vontade, muito além de sequer um sopro de liberdade. A escolha aí seja talvez a submissão ou a morte. Tudo isto parece ser esquecido na “polêmica” sobre a prostituição. De fato, as “feministas” que se declaram pró-prostituição são partícipes deste grande bazar de carne humana.

Assim, a prostituição é uma questão de liberdade, mas dos homens, de usar mulheres como lhes apetece, em qualquer circunstância e em suas fantasias brutais. O perigo desta atividade é evidente, pois as mulheres em estados de prostituição são presas por excelência à todos os excessos e crimes e arriscam diariamente suas vidas.

A prostituição- trabalho – e nunca é demais repeti-lo – é o direito concedido aos homens de dispor das mulheres sob o beneplácito social da agora denominada “profissão” e sob a bandeira da “liberdade” de escolha.

Clientes

Comprar alguém é um ato desprezível.

Por oportuno, é preciso assinalar a falta de estudos e análises sobre o “cliente”, que de fato, é todo e qualquer homem, o pai, o irmão, o vizinho, o primo, o namorado, o marido de todas as “femininas” de plantão para defender a prostituição. O manifesto dos “343 salauds” [4] publicado em 2013 na França para defender o direito dos homens de usufruir da prostituição não deixa nenhuma ambigüidade: “ não mexa com minha puta” dizem eles, minha propriedade, meu DIREITO de macho de evacuar meus humores e minhas perversidades sobre outrem.

O “cliente” faz parte do grupo dominante, portanto, seu papel na constituição do mercado de corpos não é posto em questão. É seu DIREITO, é SUA liberdade de dispor das mulheres segundo seu desejo. A Suécia ousou desmontar o jogo: os “clientes” passaram a ser penalizados em sua busca por sexo comprável e a prostituição deste país caiu bruscamente.

A França, após uma áspera polêmica gerada pelos mídia sobre os direitos dos “clientes” adotou, em fins 2013 uma multa a ser aplicada a eles “clientes” no mercado do sexo. Se a demanda encolhe é claro que a oferta e logo, o tráfico de mulheres será reduzido ou finalizado.

Ainda uma vez, à quem interessa a prostituição? A quem interessa o aviltamento, o infortúnio, o abuso, os estupros, a carne oferecida aos pagantes, seja qual for sua aparência, sua higiene, suas perversões?

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Os homens ousam dizer que “ elas poderiam até gostar disto”! O que espanta é que este tipo de discurso não seja despejado no lixo da sociedade, mas que ainda faça manchetes !

O sub-entendido é que os « clientes » não tem nenhuma responsabilidade sobre o mercado de oferta e procura dos corpos das mulheres, é evidente, não? O que impede o estupro coletivo ou individual de uma jovem mulher já que isto pode fazer dela uma boa prostituta, e talvez, “gostar disto”? Ouve-se muitas vezes que em caso de estupro, o melhor é “ relaxar e gozar”! No Brasil quase 5 estupros por hora foram registrados em 2014![5]

É uma fantasia recorrente dos homens e pode-se isto constatar nos mídia: elas gostam “disto”, elas gostam de ser maltratadas, surradas, elas gostam da violência, da brutalidade, da rudeza, elas adoram se prostituir! As jovens que se contorcionam nuas nas telas, que se enrolam em postes, patéticos símbolos de virilidade, que se arrastam pelas calçadas, com sorrisos amarelos e corpos fatigados, é esta a imagem da liberdade dos homens a produzi-las enquanto prostitutas.

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De fato, no imaginário masculino, o pênis é o centro do universo e quem ousaria negar-lhe sua importância? Quem ousaria negar-lhe a liberdade de comprar, vender, possuir, tomar, se a sociedade lhes oferece corpos e interina suas pulsões? Os bordéis para os “clientes” são locais de relaxamento, de delícias lascivas, de corpos oferecidos à vontade, do exercício irrestrito de sua liberdade masculina. E é assim que a literatura, o cinema, a televisão, os mídia em geral retomam o tema ( ver por ex. Jorge Amado). É sempre o ponto de vista do “cliente” que interessa, pois, é claro, as mulheres estão lá por “adorar isto” ou em todo caso, foram feitas para “isto’.

E tudo gira em volta do sexo, e as mulheres são transformadas em sexo e o gênero feminino  é reduzido à abjeção, em proveito da lei do pênis, do pai incestuoso, do patriarcado vitorios sobre  as cinzas de um feminismo cúmplice, feito de ignorância e servilismo às injunções masculinas.

Colette Guilaumin (1992) [6] explicita que nas sociedades patriarcais as mulheres não tem um sexo, elas SÃO um sexo e um sexo não pode possuir a si mesmo. Logo, são os homens, que possuem um sexo – o verdadeiro – a prazerosa tarefa de domina-las a seu serviço.

Foucault (1976) analisou os mecanismos de valorização e construção do sexo enquanto eixo da vida, fonte de identidade maior. Mostra como se cria uma representação histórica do sexo e da sexualidade que adquire um núcleo de materialidade em sua repetição infatigável. Diz ele:

« De fato, trata-se da própria produção da sexualidade. Esta, não deve ser concebida como uma espécie de dado da natureza que o poder tentaria domar, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, aos poucos desvendar. É o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não realidade profunda sobre a qual se exerceriam posições difíceis, mas uma grande rede de superfície onde a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação das consciências, o reforço dos controles e das resistências se encadeariam uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder. [7]

É. A noção de dispositivo da sexualidade explicita a historicidade dos fatos e gestos humanos, portanto da multiplicidade das relações humanas que não tem leis universais, nem essência ou natureza incontornáveis. O dispositivo da sexualidade em ação que mostra, em sua historicidade, a constituição da importância e do valor desmesurados outorgados ao sexo e à sexualidade – novos eixos do universo

O humano se constrói e se desfaz e assim tudo que é humano pode igualmente ser desconstruído e transformado. A “natureza” e suas leis são categorias criadas para melhor justificar a dominação e seu único ponto de apoio é uma crença fanática em divindades, verdades positivistas, afirmações cuja substancia se encontra unicamente em sua enunciação e repetição. Ou seja, vazias.

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Assim como o dispositivo cria o sexo, o patriarcado cria os gêneros, o binário hierárquico, a inferioridade das mulheres, a existência de uma pulsão sexual masculina que “necessita” ter à sua disposição um contingente variável de mulheres. Este “mal necessário” se implanta e se naturaliza na prostituição das mulheres, canal de absorção da lubricidade masculina. Criada, porém execrável socialmente, a prostituição é desejável e aceitável neste mecanismo apodrecido de justificação que sustenta o “cliente”. Finalmente, é sua “natureza”, seu DIREITO.

Ouve-se com freqüência que o casamento é também uma espécie de prostituição. São, evidentemente duas instituições patriarcais, submetidas porém à historicidade na amplitude de suas significações sociais e de seus limites / deveres/ restrições / normas reguladoras, práticas sociais.

O casamento é uma instituição restritiva no ocidente, é uma violação dos direitos das mulheres nos países onde as uniões são forçadas ou as mulheres vendidas, geralmente meninas. É um dos pilares do patriarcado e seu objetivo confesso é a procriação e a posse, em um quadro normativo de heterossexualidade compulsória. [8]

Por outro lado, a prostituição, igualmente dotada de historicidade, é igualmente um dos fundamentos do patriarcado, que divide o feminino em “verdadeiras mulheres” – esposas e mães – e as outras, ligadas à depravação e à LIBERDADE DOS HOMENS

Entre casamento e prostituição o paralelo é sua característica básica de sustentar as bases do patriarcado, logo, de servir ao masculino, de estar à sua disposição. Se o casamento permite toda forma de violência no âmbito privado, a prostituição carrega além disto,  o opróbrio que nenhuma legalização poderá apagar.

Está claro que a existência de um não justifica a outra, ao contrário, ambas deveriam desaparecer para uma transformação das relações sociais, solapando assim os fundamentos de dominação masculina.

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A prostituição, tal como é significa hoje é a compra de um corpo para uma finalidade sexual, mas há pouco tempo qualquer mulher que trabalhasse fora de casa ou fosse independente era considerada uma prostituta; os sentidos são assim variáveis segundo a época ou a formação social. Resta, entretanto que o epíteto “prostituta” entrega as mulheres à todas as fantasias e caprichos masculinos, da imposição desregrada de seu sexo e sexualidade aos corpos das mulheres, sem nenhuma sanção social. O estupro é seu corolário: porque não violentar, já que as mulheres “gostam disto”? Porque não trafica-las se as autoridades fecham os olhos para também usufruir desta carne a eles oferecida?

Uma longa luta foi travada pelos feminismos e ainda o é, para estabelecer a compreensão de que quando uma mulher diz “não” ela não quer dizer “sim”. Mas a prostituição derrama sobre todas as mulheres a possibilidade ilimitada de posse, pois a condescendência social, criada pelo pacto entre os homens, faz com que possam imaginar que “se posso comprar uma, posso também tomar uma outra quaquer” . Isto é o estupro. O respeito em relação às mulheres é portanto um negócio entre homens: se ela não pertence a um macho, pertence a todos. Assim, a existência da prostituição é fator que autoriza e torna exeqüível o poder exercido sobre todas as mulheres.

O mito da liberdade das prostitutas esconde os grilhões que aprisionam todas as mulheres na imagem de um corpo disponível para o sexo e definidor do feminino.

Abolir a prostituição é bloquear este imenso mercado que expõe as mulheres como carne a ser consumida. Abolir a prostituição é tirar aos homens o poder de dispor de corpos femininos à vontade. Abolir a prostituição é criar um novo imaginário onde as mulheres não seriam mais sujeitas à Ordem do pênis. Onde a liberdade para as mulheres não seria mais a de se vender, mas a de se constituir em sujeitos, sujeitos políticos, sujeitos de ação, onde a liberdade seria a de criar um destino, traçar um caminho e não de se arrastar pelas ruas, mendigas de sua própria existência ao serviço de um sexo aviltado.



[1] Ver livro de Merlin Stone, http://matricien.org/essais/merlin-stone/

Texto completo.

[2] Voir, par exemple, Jacques Rossiaud 1988.La prostitution médiévale, Paris, Flammarion,.

[3] Jeanne Cordelier, 1976. 76 : La Dérobade : Hachette

[4] dans une pathétique parodie des 343 femmes qui ont signé un texte affirmant avoir fait un avortement pour appuyer la loi qui garantissait  l´avortement, en France, Interruption volontaire de grossesse, défendue par Simone Veil e adopté dès lors.

[5] http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/11/numero-de-estupros-no-pais-supera-o-de-homicidios-dolosos-diz-estudo.html

[6] Colette Guillaumin1992. Sexe, Race et Pratique du pouvoir. L’idée de Nature, Paris : Côté-femmes,

[7] Michel Foucault, 1976. História da sexualidade, vol 1. Paris: Gallimarc

[8] Voir Adrienne Rich, 1981, http://www.feministes-radicales.org/wp-content/uploads/2012/03/Adrienne-Rich-La-contrainte-%C3%A0-lh%C3%A9t%C3%A9rosexualit%C3%A9-et-lexistence-lesbienne.pdf

In http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys24/prostituion/anahitapt.htm#

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Quando a Alemanha legalizou a prostituição pouco mais de uma década atrás, os políticos acharam que estavam criando melhores condições e mais autonomia para as ‘trabalhadoras do sexo’.  Não funcionou dessa maneira, no entanto. Exploração e tráfico de seres humanos continuam a ser problemas significativos.

Por Spiegel Staff

Sânandrei é uma aldeia pobre na Romênia com casas pobres e ruas lamacentas. Cerca de 80% de seus moradores mais jovens estão desempregados e uma família pode se considerar sortuda se possui um quintal para cultivar batatas e legumes.

Exposição

Alina está de pé na frente da casa de seus pais, uma das mais antigas de Sânandrei, vestindo botas de peles e jeans. Ela fala do porquê queria sair de casa quatro anos atrás, assim que completou 22 anos. Contou sobre seu pai que bebia e agredia sua esposa e, ás vezes, abusava dela também. Alina não tinha emprego e nem dinheiro.

Através de uma amiga de seu novo namorado, ouviu falar sobre as possibilidades disponíveis na Alemanha. Soube que uma prostituta poderia facilmente ganhar €900 ($1.170) por um mês de trabalho lá.

Alina começou a pensar sobre isso. Tudo parecia melhor que Sânandrei. “Eu pensei que teria meu próprio quarto, um banheiro e poucos clientes”, disse. No verão de 2009, ela e sua amiga pegaram o carro de seu namorado e dirigiram pela Hungria, Eslováquia e RepúblicaTcheca até chegar à capital alemã _ mas não no moderno bairro de Mitte, no coração da cidade e sim perto do aeroporto Schönefeld, onde o nome do estabelecimento sózinho já diz algo sobre o proprietário: Airport Muschis (“Aeroporto das Xanas”). O bordel é especializado em sexo a preço tabelado. Por €100 ($129), um cliente pode obter sexo por quanto tempo e como quiser.

Foi tudo muito rápido, diz Alina. Havia outras romenas que conheciam o homem que as tinha levado para lá. Disseram-lhe para entregar suas roupas e lhe deram lingeries bem reveladoras para usar em seu lugar.

Os clientes de Berlim pagam o preço tabelado na entrada. Muitos tomam drogas para melhorar o desempenho sexual e os serviços podem durar toda a noite. Um fila se formou muitas vezes, fora do quarto de Alina. Ela falou que eventualmente parou de contar quantos homens entraram no seu quarto. “Eu bloqueei”, disse. “Havia tantos, todos os dias.”

Trancafiadas

Alina contou que ela e a outra mulher foram obrigadas a pagar €800 por semana aos cafetões. Ela compartilhava uma cama em um quarto com outras três mulheres. Não havia outra mobília. Só o que viu da Alemanha foi o posto de gasolina Esso da esquina, onde era permitido sair para comprar cigarros e lanches, mas sempre acompanhadas de um segurança. O resto do tempo Alina foi mantida trancafiada no clube.

A promotoria descobriu que as mulheres no clube tinham que oferecer sexo oral, vaginal e anal e servir vários homens de uma vez no que se conhece como sessões de gang bang*.  Os homens nem sempre usam preservativos.  “Eu não podia dizer  não para nada”, afirmou Alina. Durante a menstruação, tinha que inserir esponjas dentro da vagina, para que os clientes não percebessem que estava em seu período.

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Declarou que quase nunca era espancada e nem as outras mulheres. “Disseram que conheciam bastante pessoas na Romênia que sabiam onde nossas famílias viviam. Isso foi o suficiente”, disse. Ocasionalmente, falava com sua mãe pelo celular e mentia sobre o quanto era bom estar na Alemanha. O cafetão uma vez pagou a Alina  €600 e ela conseguiu enviar o dinheiro para sua família.

A história de Alina não é incomum na Alemanha. As organizações de ajuda e especialistas estimam que existam até 200 mil prostitutas trabalhando no país. De acordo com vários estudos, incluindo um do European Network for HIV/STI Prevention and Health feito entre trabalhadoras do sexo migrantes (TAMPEP) de 65 a 80% das jovens e mulheres vieram do interior, a maioria da Romênia e Bulgária.

A polícia pouco pode fazer por mulheres como Alina. Os cafetões estão preparados para se safar, esclarece Alina, e costumam se gabar de conhecer policiais. “Eles sabiam quando uma batida estaria para acontecer”, por isso ela nunca se atrevia a confiar num policial.

Os cafetões ensinavam ás garotas exatamente o que dizer aos policiais. Elas deviam dizer que navegavam na internet na Bulgária ou na Romênia e descobriram que era possível ganhar um bom dinheiro trabalhando em um bordel na Alemanha. Então, um dia, simplesmente compraram uma passagem de ônibus e se instalaram no clube, inteiramente por sua própria vontade.

Teia de mentiras

Parece provável que todo policial que trabalha nos locais de luz vermelha ouvem a mesma teia de mentiras repetidas vezes. O objetivo das mentiras é cobrir todos os indícios de tráfico de seres humanos, em que as mulheres são trazidas para a Alemanha e exploradas lá. Torna-se uma declaração que transforma mulheres como Alina em prostitutas autônomas, mulheres de negócio que escolheram sua profissão livremente e para quem a Alemanha agora oferece boas condições de trabalho no setor de sexo da indústria de serviços.

É essa a imagem de “prostituta respeitável” que os políticos querem tornar plausível: livres para fazer o que elas gostam, cobertas pelo sistema de seguro social, fazendo o trabalho que gostam e poupando numa conta do banco local. Os cientistas sociais tem um nome para elas: “trabalhadoras do sexo migrantes”; ambiciosas prestadoras de serviço que estão aproveitando as oportunidades que agora existem numa Europa cada vez mais unificada.

Em 2001, o parlamento alemão, o Bundestag, com os votos do partido social democrata e do partido verde, a coalizão governista no poder naquela época, passou a lei da prostituição destinada a melhorar as condições de trabalho das prostitutas. Sob a nova lei, as mulheres poderiam processar por seus salários e contribuir para programas de seguro saúde, desemprego e pensão. O objetivo da legislação era fazer da prostituição uma profissão aceita, como a de uma caixa de bando ou assistente de dentista, ao invés do ostracismo.

As mulheres propagandistas do comércio de sexo autônomo ficaram satisfeitas consigo mesmas, quando a lei foi aprovada. A ministra da família Christine Bergmann (SPD), foi vista levantando uma taça de champanhe com Kerstin Müller, líder do Partido Verde no parlamento na época, ao lado de Felicitas Weigmannn, agora Felicitas Schirow, uma dona de bordel. Eram três mulheres brindando ao fato de que homens na Alemanha poderiam agora ir a bordéis sem qualquer escrúpulo.

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Hoje muitos policiais, organizações de mulheres e políticos familiarizados com a prostituição estão convencidos de que a lei bem-intencionada de fato é pouco mais do que um programa de subsídio para cafetões e tornou o mercado mais atraente para os traficantes de seres humanos.

Fortalecimento dos direitos das mulheres

Quando a lei da prostituição foi promulgada, o código civil germânico também foi alterado. A frase “promoção da prostituição”, um crime, foi substituído por “exploração da prostituição”. Proxenetismo é um delito punível quando é “exploração” ou “incitação”. A polícia e os promotores estão frustrados, porque esses elementos de crime são muito difíceis de provar. Um cafetão pode ser considerado explorador, por exemplo, se ele recolhe mais da metade do salário de uma prostituta, o que raramente é possível provar. Em 2000, 151 pessoas foram condenadas por proxenetismo, enquanto em 2011 apenas 32.

O objetivo dos defensores da lei, era de fato fortalecer os direitos das mulheres e não o dos cafetões. Esperavam que os donos de bordéis finalmente aproveitariam a oportunidade para “proporcionar boas condições de trabalho sem serem sujeitos a acusações”, como um relatório da lei feito pelo Ministério Federal para as Famílias avaliou.

Antes da nova lei, a prostituição em si não era punida, mas considerada imoral. As autoridades toleravam bordéis, eufemisticamente se referindo a eles como “aluguel de quartos para fins comerciais”. Hoje, pouco mais de 11 anos da promulgação da lei que regularizou a prostituição em 2001, existem cerca de 3000 a 3500 estabelecimentos da luz vermelha, de acordo com as estimativas da associação da indústria do sexo Erotik Gewerbe Deutschland (UEGD). O sindicato dos serviços públicos o Ver.di, estima que a prostituição representa cerca de €14.5 bilhões em receitas anuais.

Estimativas apontam a existência de 500 bordéis em Berlim, 70 em Osnabrück, pequena cidade do noroeste e 270 em Saarland, pequeno estado do sudeste, na fronteira com a França. Muitos homens franceses frequentam os bordéis em Saarland. O Berlin’s Sauna Club Artemis, localizado perto do aeroporto, atrai muitos clientes da Grã-Bretanha e Itália.

Agencias de viagem oferecem excursões para os bordéis alemães com duração de até 8 dias. Os passeios são “legais” e “seguros”, escreve um agenciador na sua homepage. Clientes potenciais são atraídos com a promessa de 100 “mulheres totalmente nuas” usando nada além de saltos. Clientes também são apanhados no aeroporto e levados para os clubes em BMW’s.

Em acréscimo aos assim chamados clubes de nudismo ou saunas, onde os clientes usam uma toalha, enquanto as mulheres estão nuas, grandes bordéis também se estabeleceram. Eles anunciam seus serviços a preços com tudo incluído. Quando o Pussy Club abriu perto de Stuttgart, em 2009, a administração anunciou o clube da seguinte forma: “Sexo com todas as mulheres, o quanto você quiser, com a frequência que quiser, do jeito que quiser. Sexo. Sexo anal. Sexo oral sem camisinha. Sexo a três. Sexo grupal. Gang bangs*.” O preço €70 durante o dia e €100 durante a noite.

De acordo com a polícia, cerca de 1700 clientes aproveitaram a oferta do fim de semana de abertura. Ônibus chegaram de longe e jornais locais informaram que algo em torno de 700 homens esperaram na fila do lado de fora do bordel. Depois disso, os clientes escreveram em salas de bate-papo na internet, sobre o suposto serviço insatisfatório, reclamando que as mulheres depois de algumas horas de uso não prestavam para mais nada.

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O negócio tornou-se mais árduo, disse Andrea Weppert, assistente social em Nuremberg que trabalha com prostitutas há mais de 20 anos, durante o período em que o número de prostitutas triplicou. De acordo com Weppert, mais da metade das prostitutas não tem residência fixa, mas viaja de um lugar para outro, assim podem ganhar mais dinheiro sendo “nova” numa cidade em particular.

Hoje, “uma alta porcentagem das prostitutas na vão para casa depois do trabalho, mas permanecem no seu local de trabalho perto do relógio”, escreveu uma ex-prostituta usando o pseudônimo Dóris Winter, em contribuição para a série acadêmica “A lei das prostitutas”. “As mulheres vivem nos quartos onde trabalham”, acrescentou.

Em Nuremberg, esses quartos custam em torno de €50 a €80 por dia, disse a assistente social Wippert e o preço pode chegar a elevar-se para €160 em bordéis com muita clientela. As condições de trabalho para as prostitutas pioraram em anos recentes. Na Alemanha, em geral, acrescentou, “significativamente mais serviços são oferecidos sob condições de maior risco e por menos dinheiro do que há 10 anos atrás”.

Queda dos preços

Apesar do agravamento das condições, mulheres estão migrando para a Alemanha, o maior mercado de prostituição da União Européia _ um fato que até mesmo donos de bordéis confirmam. Holger Rettig do UEGD disse que o afluxo de mulheres vindas da Romênia e Bulgária cresceu dramaticamente desde que os dois países aderiram à União Européia. “Isso levou a uma queda de preços”, afirma Rettig, que observa que o negócio da prostituição é caracterizado por “uma economia de mercado radical ao invés de uma economia de mercado social”.

O chefe de polícia de Munique Wilhelm Schmibauer lamenta o “explosivo incremento do tráfico humano vindo da Romênia e Bulgária”, mas acrescenta que não tem acesso às ferramentas necessárias para investigar. Ele é frequentemente proibido de usar a vigilância por telefone. O resultado, diz Schmibauer, “é que não temos praticamente nenhum caso envolvendo tráfico de seres humanos. Nós não podemos provar nada.”

Isto torna difícil de rastrear aqueles que trazem “mercadorias frescas” das mais remotas regiões da Europa para os bordéis da Alemanha, mercadorias como Sina. Ela relatou aos psicólogos no escritório do Centro de Informação para Mulheres em Stuttgart, seu caminho até os bordéis a preço fixo alemães. Em Corhana, sua aldeia natal perto da fronteira da Romênia com a República da Moldávia, a maioria das casas não tem água encanada. Sina e as outras garotas do povoado tem de buscar água do poço todos os dias. É como uma cena de “cinderela”. Todas as garotas sonhavam com um homem vindo um dia para salvá-las de suas vidas sombrias.

O homem, que eventualmente veio para sua aldeia em sua grande BMW, chamava-se Marian. Para Sina foi amor à primeira vista. Ele disse que havia trabalho para ela na Alemanha e seus pais assinaram uma autorização, pois ela era de menor, para deixar o país. Na viagem para Schifferstadt no sudoeste do estado de Rhineland_Palatinate, ele deu a ela álcool e dormiu com ela.

Marian deixou-a no “No Limit”, um bordel de preço fixo. Sina tinha apenas 16 anos e supostamente atendeu até 30 clientes por dia. Ocasionalmente, recebia algumas centenas de euros. Marian, preocupado com batidas policiais, mandou-a de volta para a Romênia. Mas ela retornou e continuou a trabalhar como prostituta. Tinha esperança que um cliente se apaixonaria por ela e iria salvá-la.

Sem melhorias mensuráveis

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A lei da prostituição melhorou a situação das mulheres como Sina? Cinco anos depois que foi introduzida, o Ministério da Família avaliou o que a nova legislação conseguiu. O relatório atesta que os objetivos foram “apenas parcialmente alcançados” e que a legalização “não trouxe qualquer melhoria real mensurável na cobertura social das prostitutas.” Nem as condições de trabalho, nem a capacidade de sair da profissão tinham melhorado. Finalmente, não havia “nenhuma prova sólida a relatar” que a lei tenha reduzido o crime.

Dificilmente um único tribunal tenha ouvido falar num caso envolvendo uma prostituta entrando com processo por seu salário. Apenas 1% das mulheres entrevistadas disseram que tinham assinado um contrato de prostituta. O fato do sindicato Ver.di ter desenvolvido um “modelo de contrato para serviços sexuais”, não mudou os fatos. Numa pesquisa conduzida pela Ver.di, uma dona de bordel declarou que apreciava a lei das prostitutas pelo fato de ter reduzido o risco de batidas policiais. De fato, ela disse, a lei era mais vantajosa para os donos de bordéis que para as prostitutas.

Para operar uma snack bar móvel na Alemanha, tem que estar em conformidade com a norma padrão DIN 10500/1 para “operar veículos com alimentos perecíveis”, que dita, por exemplo, que dispensadores de salão e toalhas descartáveis são necessários. Um dono de bordel não está sujeito a essas restrições. Tudo o que tem a fazer é comunicar às autoridades quando o bordel será aberto.

Prostitutas ainda resistem a se registrar junto ás autoridades. Em Hamburgo, com Reeperbahn, seu famoso distrito da luz vermelha, sómente 153 mulheres estão em conformidade com os regulamentos e registradas na repartição de impostos da cidade. O governo quer que as prostitutas paguem impostos. Isso significa que tem que estabelecer regras para a profissão em troca?

O curioso papel que o governo assume no comércio do sexo fica evidente entre as prostitutas de rua em Bonn. Todas as noites, prostitutas tem que comprar um bilhete de impostos de uma máquina, válido até as 6 horas da manhã do dia seguinte. O bilhete custa €6.

Sexo por um Big Mac

Na parte norte de Colônia, onde as prostitutas viciadas em drogas trabalham pela Geestmünder Strasse não muito longe da fábrica Ford, nenhum imposto é arrecadado. Como parte de um projeto social, as assim chamadas “barracas de trabalho” _ essencialmente um cercado para estacionar e fazer sexo _ são construídas no espaço sob um galpão coberto. Embora não existam sinais claros que a instalação é para prostituição, o limite de velocidade de 10km/h é assinalado na área cercada, e os motoristas são obrigados a mover-se no sentido anti-horário.

Em noites de primavera, cerca de 20 mulheres ficam paradas ao longo da margem da área. Algumas trouxeram cadeiras de praia, enquanto outras se sentam em paradas de ônibus reaproveitadas. Quando um cliente concorda com o preço cobrado pela mulher, ele se dirige com ela para uma das barracas. Há oito barracas sob o telhado do galpão, bem como uma com chão de concreto e um banco de parque para ciclistas e pedestres. Existe um botão de alarme em cada barraca e um grupo de mulheres católicas monitora a área todas as noites.

Alia, uma mulher de 23 anos com uma peruca loira, espreme-se num corpete e tenta disfarçar o hálito de álcool com uma pastilha de hortelã. Referindo-se a si mesma e às outras prostitutas de rua, diz: “As pessoas que trabalham aqui tem problemas reais.”

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O caminho de Alia para Geestemünder Strasse começou quando ela saiu da escola e foi morar com um namorado, que mandou que saísse e “se virasse”. Ela começou a se prostituir por causa de “dificuldades financeiras e por amor”, declarou, e também por maconha, cocaína, anfetamina e álcool que se combinou com a situação. “Não existe prostituição sem coerção e angústia”, afirma. Ela tem andado pelas ruas por 3 anos. “Uma mulher que está indo bem não trabalha assim”, diz.

O preço para sexo oral e intercurso costumava ser €40 na Geestemünder Strasse. Mas quando a cidade vizinha de Dortmund fechou sua área de prostituição de rua, mais mulheres vieram para Colonha, disse Alia. “Há cada vez mais mulheres agora e elas reduzem tantos seus preços que fazem de tudo por qualquer coisa,  reclama. Mulheres búlgaras e romenas, às vezes cobram menos de €10, denuncia. “Uma mulher aqui pode chegar a fazer por um Big Mac.”

Mas as mulheres do leste europeu dificilmente trabalham em Geestemünder Strasse. Elas foram expulsas pelo controle regular de passaportes da polícia, que de fato tem a intenção de encontrar e proteger as vítimas de tráfico de seres humanos e prostituição forçada. Agora, as prostitutas trabalham na rua, na parte sul de Colônia, mas isso ainda faz baixar os preços no bairro do norte.

Em 2007, Carolyn Maloney, uma congressista democrata de Nova York e fundadora da Convenção de Tráfico Humano no congresso dos Estados Unidos, escreveu sobre as consequências da legalização da prostituição em torno de Las Vegas, a Meca do jogo. “Era uma vez, registrou, “uma crença ingênua de que a legalização da prostituição poderia melhorar a vida das prostitutas, eliminar a prostituição em áreas onde permaneceu ilegal e remover o crime organizado dos negócios. Como em um contos de fadas, isto acabou por se revelar pura fantasia.”

Policiais alemães que trabalham em distritos da luz vermelha se queixam de que dificilmente são capazes de obter acesso aos bordéis. A Alemanha tornou-se um “centro para a exploração sexual de jovens mulheres da Europa do leste, bem como uma esfera de atividade de grupos do crime organizado de todo o mundo”, declara Manfred Paulus, um detetive aposentado do sul da cidade de Ulm. Ele trabalhava como vice-detetive e agora alerta mulheres da Bulgária e Bielorrússia para não serem atraídas para a Alemanha.

Estatísticamente falando, a Alemanha tem quase nenhum problema com a prostituição e o tráfico de seres humanos. De acordo com o Escritório De Polícia Federal Criminal (BKA), houve 636 casos de “trafico de seres humanos para fins de exploração sexual”, em 2011, ou quase um  terço a menos que 10 anos antes. Treze das vítimas eram menores de 14 anos e outras 77 eram menores de 18 anos. Há muitas mulheres de países da EU, “cuja situação sugere que são vítimas de tráfico humano, mas é difícil construir provas que sejam aceitas nos tribunais”, afirma o relatório da BKA. Tudo depende do testemunho das mulheres, relatam os autores, mas há pouca disposição de cooperar com os policiais e agências de assistência, especialmente no caso de vítimas presumidas da Romênia e Bulgária. E quando as mulheres se atrevem a dizer alguma coisa, os seus testemunhos são frequentemente retratados.

Declínio das convicções

Um estudo do Planck Institute for Foreign and International Criminal Law concluiu que os números oficiais sobre o tráfico humano diz “pouco sobre o alcance atual do crime.”

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De acordo com um relatório sobre o tráfico de seres humanos,  recentemente apresentado pela comissária para Assuntos Internos Europeus, Cecilia Malmströn, existem mais de 23.600 vítimas na União Européia e dois terços delas são exploradas sexualmente. Malmström, da Suécia, vê indícios de que grupos criminosos estão expandindo suas operações. No entanto, disse, o número de condenações está em declínio, porque a polícia está sendo coibida nos seus esforços para combater o tráfico. Ela insiste para que a Alemanha faça algo mais a respeito do problema.

Mas e se a lei germânica da prostituição realmente ajuda os traficantes de seres humanos? A lei tem de fato promovido a prostituição e junto com ela, o tráfico de seres humanos?

Axel Dreher, um professor de política internacional e desenvolvimento da Universidade de Feidelberg, tentou responder a essas perguntas, usando dados de 150 países. Os números são imprecisos, como são todas as estatísticas relacionadas com o tráfico de seres humanos e prostituição, mas ele foi capaz de identificar uma tendência: onde a prostituição é legal, existe mais tráfico de seres humanos do que em outros lugares.

A maioria das mulheres que vem para a Alemanha para se tornarem prostitutas não são sequestradas na rua _ e a maioria não acredita seriamente, que irão trabalhar numa padaria alemã. Mais frequentemente, elas são como Sina, que se apaixonou por um homem e o seguiu até a Alemanha;  ou como Alina, que sabia que estava indo para se prostitituir. Mas o que elas costumeiramente não sabem, é o quão ruim poderia ser _ e nem capazes de imaginar que dificilmente conseguiriam guardar alguma quantia do dinheiro que ganham.

Alguns casos são ainda mais perturbadores. Em dezembro, espectadores alemães ficaram chocados com o programa “Wegwerfmädchen” (garotas descartáveis), parte da série criminal “Tatort”, filmado na cidade alemã de Hanover. A série retrata cafetões jogando duas jovens gravemente feridas no lixo, depois de uma orgia sexual. Apenas alguns dias depois do episódio ir ao ar, a polícia encontrou uma garota chorando e seminua em um pequeno parque.

A masmorra de Isar

A garota de 18 anos havia fugido de um bordel. Contou que três homens e duas mulheres se aproximaram dela em sua aldeia natal. Os estranhos haviam prometido um emprego como babá. Quando chegaram em Munique, vendaram seus olhos e a levaram para uma cela em um porão com uma porta que só abria com um código de segurança.

Uma outra garota estava sentada numa beliche no quarto escuro e havia um som de água escorrendo atrás da parede. A polícia supôs que o esconderijo estava localizado numa fábrica perto do rio Isar, que atravessa Munique. Os homens a estupraram e quando ela se recusou a trabalhar como prostituta em um bordel, eles a espancaram, afirmou.

Os oficiais a princípio duvidaram, mas a garota se lembrava do nome dos cafetões. Eles foram presos e estão sob custódia da polícia. Por causa de sua recura em responder as perguntas, o calabouço ainda não foi encontrado e a moça romena está agora no programa de proteção ás testemunhas.

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Ás vezes, as garotas são enviadas pelas próprias famílias, como Cora da Moldávia. A moça de 20 anos coloca as mãos nos bolsos de seu agasalho e veste um chinelo de pelúcia com grandes olhos costurados neles. Cora vive num abrigo assistencial na Romênia para vítimas de tráfico de seres humanos. Quando as garotas completam 15 ou 16 anos na Moldávia, diz a psicóloga de Cora, seus irmãos e pais, frequentemente lhes dizem: “Puta, saia e vá ganhar algum dinheiro.”

Os irmãos de Cora, levaram sua atraente e bem-comportada irmã a uma discoteca perto da cidade. Sua única obrigação era servir bebidas, mas ela conheceu um homem com contatos na Romênia. “Ele disse que eu poderia ganhar muito mais dinheiro nas discotecas de lá.” Cora foi com ele, primeiro para a Romênia e depois Alemanha.

Processo de Emancipação

Depois de ser estuprada por um dia inteiro em Nuremberg, contou, sabia o que tinha que fazer. Trabalhou em um bordel em Frauentormauer, um dos distritos da luz vermelha mais antigos da Alemanha.Disse aos policiais que recebia homens em seu quarto, supostamente por 18 horas ao dia. Contou que policiais frequentavam o bordel como clientes. “Eles não percebiam nada. Ou não se importavam.”

O bordel estava muito cheio na véspera de Natal de 2012. Cora disse que seu cafetão exigiu que ela trabalhasse num turno de 24 horas e que foi esfaqueada no rosto quando se recusou. A ferida sangrou tanto que foi permitido que fosse a um hospital. Um cliente, cujo número de celular ela sabia, a ajudou a fugir para a Romênia, onde apresentou queixa contra seu algoz. O cafetão ligou para ela recentemente e fez ameaças de ir em seu encalço.

Apesar de histórias como essa, os políticos em Berlim não sentem pressão significativa para fazer alguma coisa. Isto se deve em parte, porque no debate sobre a prostituição, uma posição ideologicamente correta, tem mais peso do que a realidade deplorável. Por exemplo, quando a Hamburg University for Applied Sciences realizou uma conferência sobre a prostituição na Alemanha, um ano atrás, um participante disse que a prostituição, “reconhecida como comércio sexual, está passando por um processo de emancipação e profissionalização.”

Tais declarações são um choque para Rahel Gugel, uma professora de direitos: “É um absurdo. Não tem nada a ver com a realidade.” Professora de direito social no trabalho na Baden-Württemberg Cooperative State University, Gugel escreveu sua dissertação sobre a lei da prostituição e trabalhou para uma organização de ajuda.

Os defensores da legalização argumentam que todos tem o direito de se envolver em qualquer profissão que ele ou ela tenham escolhido. Algumas feministas ainda elogiam as prostitutas por sua emancipação, porque, segundo elas, mulheres devem poder fazer o que quiserem com seus corpos. Na prática, porém, fica claro o quanto são indistintas as linhas que separam a prostituição voluntária da prostituição forçada. Por acaso mulheres como Alina e Cora se tornaram prostitutas voluntariamente e tomaram decisões autônomas? “É politicamente correto na Alemanha, respeitar as decisões individuais das mulheres”, afirma a advogada Gugel. “Mas se você quer proteger as mulheres, esse não é o caminho para isso.”

Em 2009, políticas do CDU, do SDP, os favoráveis ao negócio,  o Free Democratic Party (FDP) e o Green Party no sudoeste do estado de Baden-Württemberg, foram convocadas para uma iniciativa no Bundesrat, o corpo legislativo que representa os estados alemães, contra os “inumanos serviços de preços tabelados”.  Mas nenhuma mudança foi feita na lei.

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A Hollanda escolheu o caminho da desregulamentação legal, dois anos antes da Alemanha. Tanto o Ministro da Justiça holandês quanto a polícia admitiram que não houve melhorias palpáveis para as prostitutas desde então. Elas estão em piores de saúde do que antes e um crescente número são de viciadas em drogas. A polícia estima que 50 a 90% das prostitutas, não pratica a prostituição voluntáriamente.

O social-democrata Lodewijk Asscher acredita que a legalização da prostituição foi “um erro nacional.” O governo holandês pretende agora, tornar a lei mais rígida para combater o aumento do tráfico de humanos e da prostituição forçada.

Os alemães ainda não chegaram lá. Os verdes, que desempenharam um papel tão fundamental ao apoiar a lei da prostituição há 12 anos, não tem arrependimentos. A porta-voz Kerstin Müller, a líder parlamentar do partido verde na época, declara que se concentra em outras questões hoje em dia. Irmingard Schewe-Gerick, que também era líder parlamentar do partido verde naquela data em que a lei foi aprovada, diz: “A lei é boa. Apenas nós deveríamos tê-la implementado mais refletidamente.” Curiosamente, Schewe-Gerick é agora a presidente da organização de direitos das mulheres, a Terre dês Femmes, que visa alcançar “uma sociedade sem prostituição”. O terceiro pioneiro da nova lei á época, Volker-Bech, ex-porta-voz da política legal do seu partido, faz um apelo a novos programas de assistência e garantia de condições de abandonar a prostituição. Mas ele afirma que a Suécia não pode ser um modelo para a Alemanha. “A proibição não melhora nada, porque então a prostituição vai continuar em lugares de difícil fiscalização.” Além disso, acrescenta, “quadrilhas criminosas vão assumir os negócios” – como se fossem empresários honestos os que exploram a prostituição hoje.

Reino da Ilegalidade

Alguns de seus companheiros verdes, discordam. “Um grande segmento da indústria está operando atualmente no reino da ilegalidade”, afirma Thekla Walker de Stuttgart. Walker, a presidenta da organização estadual do seu partido, tem procurado mudar a abordagem do mesmo sobre a prostituição.

“A prostituta autônoma que imaginou, quando a lei da prostituição foi promulgada em 2001, que poderia negociar em igualdade de condições com seu cliente e poder sustentar-se com seus proventos é a exceção”, atesta um relatório da moção apresentada por Walker, durante uma convenção do partido no mês passado. As leis atuais, continua, não protegem as mulheres contra a exploração, apenas lhes concede, a “liberdade de se permitir serem exploradas.” Os verdes, escreveu Walker, não podem fechar os olhos para as catastróficas condições de vida e trabalho de muitas prostitutas.

Mas eles fecharam. Walker retirou a moção porque não tinha chance de garantir uma maioria, porém, o partido ficou de dar uma olhada mais atenta para ver se a lei exige melhorias.

Na Alemanha, aqueles que falam contra a legalização são considerados “pudicos e moralistas”, afirma a professora de direito, Gugel. Além disso, acrescenta, não tem a sensação, “de que os políticos tenham muito interesse no assunto.”

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A ministra da Família Kristina Scröder, no entanto, agiu de fato para levantar-se contra o tráfico e prostituição forçada. “A despeito dos intensos esforços, não foi possível alcançar unanimidade entre os quatro ministérios envolvidos”, disse Schröder em um comunicado. Seu desejo de regulamentar mais fortemente os bordéis, esbarrou em face da oposição do ministro da Justiça, Sbine Leuttheusser_Schnarrenberger. Schanrrenberger acredita que a reforma de lei é desnecessária e repete o velho jargão, ou seja, a de que a lei alemã tira as mulheres da ilegalidade, enquanto a lei sueca as coloca na obscuridade.

Em face de tal desacordo, seria um milagre se o governo alemão chegasse a uma decisão rápida para proteger as mulheres do tráfico de seres humanos, de uma maneira mais eficaz. Em vez disso, as mulheres continuarão a cuidar de si mesmas.

Totalmente legal

Alina de Sânandrei, conseguiu fugir do bordel Airport Muschis. Depois de uma batida policial, ela e outras 10 mulheres correram para um restaurante turco na vizinhança. O irmão do proprietário, que era um cliente, escondeu as mulheres e alugou um ônibus às próprias custas. Em seguida, tentou levá-las para a Romênia. Os cafetões tentaram deter o ônibus, mas as mulheres conseguiram escapar.

Alina vive agora na casa dos pais. Ela não lhes contou sobre o que aconteceu. Está trabalhando mas não quer dizer no quê. O salário é suficiente para o bilhete de ônibus, roupas e alguma maquiagem.

Alina, ás vezes, visita o Aldrom, um centro de aconselhamento para as vítimas de tráfico de seres humanos na cidade romena de Timisoara ocidental, onde fala com a psisóloga Georgiana Palcu,  que está tentando encontrar uma vaga de treinamento como cabeleireira ou cozinheira. Palcu fala que as conversas com as mulheres que voltaram da Alemanha são “sem fim e difíceis”. Ela as incentiva a serem otimistas.

Mas Palcu não tem ilusões. Mesmo que uma garota possa encontrar uma vaga no treinamento, ela provavelmente não aceitaria o trabalho, pois tais empregos não oferecem mais do que €200 para uma jornada de trabalho de 40 horas. Como resultado, afirma Palcu, muitas daquelas que retornaram da Alemanha, depois de serem maltratadas, estão lá trabalhando como prostitutas novamente. “O que eu posso dizer à elas?”, pergunta. “Esta é a realidade. Você não consegue viver com €200.”

O bordel Airport Muschis não existe mais. Foi substituído pelo Club Erotica, que não oferece preços tabelados. Mas os clientes ainda tem muitas possibilidades de escolha no local. A poucos quilômetros de distância, em Schöneberg, o King George mudou para preços fixos. Sua administração usa o slogan “Geiz macht Geil”, que numa tradução livre quer dizer, “ser barato faz o seu tesão”. Por €99, os clientes podem desfrutar de sexo e bebidas até o estabelecimento fechar. Sexo anal, sexo oral desprotegido e beijos-de-lingua são extra. O King George promove uma “festa do Ganb Bang*” às segundas, quartas e sextas.

É completamente legal.

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* um gang bang é uma prática sexual  em que uma mulher tem relações sexuais com vários homens em seqüência ou ao mesmo tempo.

BY CORDULA MEYER, CONNY NEUMANN, FIDELIUS SCHMID, PETRA TRUCKENDANNER and STEFFEN WINTER

Translated from the German by Christopher Sultan

In http://www.spiegel.de/international/germany/human-trafficking-persists-despite-legality-of-prostitution-in-germany-a-902533.html

Tradução Arttemia Arktos

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Por que nem Amsterdã quer as casas de prostituição legalizadas


*Por Julie Bindel

Você se lembra da comédia brilhante com Harry Enfield e Paul Whitehouse em que ambos interpretavam policiais descontraídos em Amsterdã, que se gabavam por não ter mais que lidar com o crime de homicídio na Holanda, pois os holandeses haviam legalizado o homicídio? Não ria. Em 2000, o governo holandês decidiu facilitar ainda mais a vida de cafetões, traficantes e fregueses, legalizando o já enorme e altamente visível mercado da prostituição. A lógica da legalização era tão simples quanto enganosa: para tornar as coisas mais seguras para todos. Tornar esse um trabalho como outro qualquer. Uma vez que as mulheres fossem libertadas do submundo [através da legalização], os bandidos, traficantes de drogas e traficantes de pessoas iriam automaticamente se afastar.

Doze anos depois, podemos ver os resultados deste experimento. Em vez de proporcionar uma maior proteção para as mulheres, a legalização simplesmente expandiu o mercado. Ao invés de limitar as casas de prostituição a uma parte discreta (e evitável) da cidade, a indústria do sexo se espalhou por toda parte de Amsterdã – inclusive na rua. Ao invés de terem adquirido direitos no “local de trabalho”, as prostitutas descobriram que os cafetões eram tão brutais quanto sempre foram. O sindicato financiado pelo governo e criado para protegê-las tem sido evitado pela grande maioria das prostitutas, que permanecem assustadas demais para reclamar.

Cafetões, sob a legalização, foram reclassificados como gestores e empresários. Os abusos sofridos pelas mulheres são agora chamados de “risco ocupacional”, da mesma forma que uma pedra que cai no pé de um pedreiro. O turismo sexual cresceu mais rápido, em Amsterdã, do que o turismo regular: como a cidade se tornou o local de prostituição da Europa, mulheres são importadas por traficantes da África, Europa do Leste e Ásia, de modo a suprir a demanda. Em outras palavras, os cafetões permaneceram, mas tornaram-se legítimos – a violência ainda é prevalecente, mas se tornou mera parte do trabalho e o tráfico aumentou. Suporte para que as mulheres deixem a prostituição é quase inexistente. A obscuridade inata do trabalho não foi desmanchada pela benção legal.

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Mulheres engaioladas, expostas à curiosidade pública, como se fossem bichos em lojas de animais

O governo holandês esperava jogar o papel de cafetão honorável, ao tomar sua parte no lucro da prostituição, através da taxação. Porém somente 5% das mulheres são registradas para essa taxa, pois ninguém quer ser conhecida como uma prostituta – por mais legal que seja. A ilegalidade simplesmente tomou uma nova forma, com o aumento do tráfico, das casas de prostituição não licenciadas e da cafetinagem. Com o policiamento completamente fora de cena, foi fácil quebrar as leis que permaneceram. Agenciar mulheres dos países não pertencentes à União Européia, desesperadas por uma nova vida, continua sendo ilegal. Mas nunca foi tão fácil.

A legalização impôs casas de prostituição em áreas por toda a Holanda, independente de quererem ou não. Mesmo que uma cidade ou vila se oponha ao estabelecimento de bordéis, ela deve permitir a instalação de pelo menos um – caso contrário, estaria contrariando o direito básico federal de trabalhar. Para muitos holandeses, legalidade e decência foram irremediavelmente divorciados. Isso tem sido um fracasso social, jurídico e econômico – e a loucura, finalmente, está chegando ao fim.

O “boom” das casas de prostituição terminou. Um terço das casas de prostituição de Amsterdã foi fechado devido ao envolvimento do crime organizado e de traficantes de drogas, e do crescimento do tráfico de mulheres. A polícia agora reconhece que o bairro da luz vermelha se transformou em um centro global para o tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro. As ruas foram infiltradas por gangues aliciadoras em busca de meninas jovens e vulneráveis, para serem vendidas a homens como virgens que farão tudo o que lhes for pedido. Muitos dos envolvidos no comércio turístico regular de Amsterdã- os museus e canais – temem que seus visitantes estejam desaparecendo junto com a reputação da cidade.

Eu estive lá com Roger Matthews, um professor de Criminologia na Universidade de Kent, e renomado especialista em comercio sexual. Os políticos com quem ele falou confessaram que a legislação provocou uma grave confusão em uma situação já sem salvação. O trabalho de reparação está começando – a ver qual beneficio isso trará. As mulheres que alugam as vitrines em breve serão obrigadas a se registrarem como prostitutas. Isso será tão ineficiente como obrigá-las a pagar taxas. Quando o falso sindicato fundado pelo governo para supostamente para representar as pessoas envolvidas na prostituição fez um recrutamento massivo de filiações depois da legalização, apenas cem pessoas aderiram, em sua maioria strippers e dançarinas de ¨lap dancing¨.

Ao invés de remover a marginalidade do distrito da luz vermelha, a área se tornou mais depressiva que nunca, cheia de turistas bêbados e em busca de sexo, que agem como consumidores que gostam de olhar vitrines, apontando e rindo das mulheres que eles vêem. As mulheres locais passam pelas ruas com as cabeças baixas, tentando não ver as outras mulheres expostas nas vitrines como cortes de carne em um açougue. Homens podem ser vistos entrando nas casas de prostituição ou tentando pechinchar o preço do programa. Outros são vistos levantando o zíper da calça. Muitas das mulheres parecem bastante jovens, todas elas entediadas e a maioria sentada em um banquinho, usando roupa íntima e jogando com seus celulares.

Em nenhum outro lugar do mundo a prostituição de rua é legalizada porque as pessoas não a querem à vista. Onde há uma rua para o comércio sexual, mulheres são abordadas à caminho de casa por fregueses e, geralmente, camisinhas, instrumentos de drogas e cafetões são visíveis. Mas a Holanda decidiu em 1996 que a prostituição de rua era um modo decente de ganhar dinheiro e criou várias “áreas de tolerância” para homens alugarem, com segurança, uma vagina, ânus ou boca por alguns minutos. Carros dirigem para dentro de cubículos. Sendo a Holanda, há uma área especial para ciclistas. Mantenha a prostituição verde!

No dia depois da zona de Amsterdam abrir, centenas de residentes da vizinhança ocuparam as ruas em protesto. Foram precisos 6 anos para o prefeito admitir em público que o experimento tinha sido um desastre, um imã para mulheres traficadas, traficantes de drogas e meninas menores. Zonas em Rotterdam, The Hague e Heerlen foram fechadas por circunstâncias similares. A direção desta viagem é clara: a legalização será revogada. Legalização não tem sido emancipação. Tem resultado, pelo contrário, no tratamento terrível, desumano e degradante das mulheres, porque declara aceitável a compra e venda da carne humana. E, enquanto o governo holandês se reforma de cafetão para protetor, este terá tempo para refletir sobre os danos causados ​​às mulheres apanhadas nesta experiência social calamitosa.

*Texto originalmente publicado em The Spectator, traduzido coletivamente por Bruna Provazi, Clarisse Goulart, Rafaela Rodrigues, Thandara Santos, Tica Moreno e Sarah de Roure.

In http://marchamulheres.wordpress.com/2013/02/22/por-que-nem-amsterda-quer-as-casas-de-prostituicao-legalizadas/

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